Crônicas
Eis mais um belíssimo texto, agora escrito pelo doutorando Paulo Tarcísio, quando da sua passagem pelo PED I.
Per aspera, ad astra.
Aos meus prezados doutores Carlos, Mirna, Raniere e Jéssica
Nunca conheci um homem que fosse realmente feliz e que não tivesse desenvolvido a capacidade de realizar-se em seu trabalho. Vivemos, em nosso tempo, as deletérias conseqüências da má interpretação de um mito antigo. Carregamos no inconsciente coletivo a corrosiva certeza de que o trabalho é um castigo dado ao homem pelo terrível pecado de buscar a Sabedoria.
Que nada! O trabalho é a maior dádiva dada pelos deuses aos homens, pois é somente através dele que o ser humano pode conhecer a divindade. Toda a vida às vezes parece moldar-se ao redor desse mistério: um dos maiores erros que podemos cometer é nos casarmos com alguém com o intuito de sermos felizes. O casamento é, essencialmente, a arte de abrir mão de si mesmo em nome de seu cônjuge, colocando a felicidade dele antes da sua; que falar então sobre a paternidade? Um homem só deveria ser pai quando estivesse disposto a abrir mão de seu sono, seu bem-estar, sua vaidade, seu orgulho etc. em nome de uma terceira pessoa.
É somente no suor de seu rosto e nos calos de suas mãos que o homem encontra a felicidade. É no trabalho generoso e sincero que conhecemos o divino e nos realizamos enquanto humanos. Como médicos, somos privilegiados. Não existe maior dignidade em curar uma pneumonia do que em lavrar a terra, mas como médicos, temos a oportunidade – em geral desperdiçada – de retirarmos sementes de sabedoria da experiência humana e compreendermos com mais celeridade esse mistério sem fim que é o homem e que guarda, segundo o Templo de Delfos, os mistérios dos deuses e do Universo.
Platão afirmava que o bom médico não era aquele que simplesmente dava o diagnóstico das doenças e tratava dos seus pacientes, mas aquele que ao descobrir o diagnóstico correto ensinava ao seu paciente como ele adquiriu aquela doença, como ele faria para não adquiri-la mais e, ao final da consulta, quase por acidente, entregava a receita do medicamento. Somos, essencialmente, educadores: o bom médico é aquele que ensina ao paciente a não precisar do médico, compreendendo e respeitando mais que zombando da ignorância alheia, e aproveitando, quando diante das maiores idiotices, para refletir sobre as suas próprias.
Em algumas décadas, para alguns um par, para outros 7 ou 8, já teremos desaparecido dessa terra. Sei que é duro sobre isso pensar, mas não acreditemos na ilusão de que serão nossos filhos e netos as sementes mais perenes que deixaremos nesse mundo: do mesmo modo que, em geral, não sabemos sequer os nomes de nossos tataravós, dentro de 3 ou 4 gerações também seremos indolentemente esquecidos. Apesar de ser difícil deslumbrar isso em nosso momento histórico de seco e vil materialismo, são nossas obras sutis que permanecem. São as grandes coisas que fazemos, ocultas nas pequenas obras do dia a dia, onde mora a eternidade que instintivamente o homem persegue.
Dos filhos de Shakespeare, ninguém se recorda. Se os teve, talvez tenham sido homens comuns, talvez tenham sido homens de mal. De seus versos, por outro lado, quem poderia esquecer? Quantos homens já se inspiraram com suas palavras de que os heróis, isto é, movidos por Eros, o amor, são aqueles que fazem aquilo que era necessário ser feito e enfrentam quaisquer adversidades para isso?
Nesses tempos, em que o homem vale o que tem e não o que é, nesse mundo materialista e vil onde as crianças falam abertamente sobre sexo, mas tem vergonha de falar sobre Deus, nesse mundo em que se é proibido sonhar, ousemos fazê-lo. Sonhemos, não que o mundo seja diferente, mas que nós mesmos o sejamos. Sonhemos a nós mesmos como homens tecidos pelas virtudes, como médicos sempre dispostos a abrir mão de si mesmos pelos outros. Que sejamos nós mesmos a encarnação desses versos heróicos para que aqueles que virão depois de nós possam ser melhor do que somos e que possamos finalmente ser esquecidos, mas não pela ação indolente do tempo, como se fôssemos uma vela que, sem nunca ter sido usada, se desintegra e desaparece, mas com o um são orgulho interior de termos feito de nossa própria vida uma chama generosa à serviço da humanidade.
Abraços, Paulo Tarcísio Neto
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