É de longa data que as vivências no Internato em Pediatria I da UFRN tem sido fonte de inspiração para diversos de seus alunos. E com Igor, não foi diferente! Após o término do PED I, o mesmo escreveu uma bela crônica relatando a sua vivencia neste Internato. Com a permissão do Autor, o Blogger "Pediatria em Foco", posta na íntegra o belo texto assim intitulado: "Sobre Médicos e mestres Pokémon"
Sobre médicos e
mestres Pokémon
Há algum tempo ajo
como adulto.
Acordo cedo para a
rotina, tomo café, o mais adulto dos líquidos, e me preparo para pegar o
trânsito com outras pessoas sérias e cotidianas. Faço trabalhos, discuto casos
clínicos, prescrevo e tomo café novamente. E eu gosto disso, é muito adulto.
Não mais finjo, e
agora percebo, que estou em um mundo paralelo, em que tudo é possível e nada
pode me parar. Não solto mais kamehamehas debaixo d’água, nem a genki dama nas
horas vagas. Aposentei minha armadura de Sagitário há algum tempo. A vida me
parece plana, tranquila e previsível.
Há 7 semanas e
alguns dias, houve um terremoto cujo epicentro se localizou na PED1.
A primeira vez que
eu me lembre de ter segurado uma criança foi enquanto estudante de medicina.
Sempre fugia desses momentos quando possível. Por que segurar um recém-nascido
de uma parente distante, com meus braços de manteiga, se posso seguramente
jogar meu game boy enquanto espero?
A disciplina de
pediatria para mim foi o choque dessa inexperiência. O primeiro recém-nascido
que segurei não foi com a dignidade de um médico. O primeiro contato com uma
criança não foi vendo-a uma criança, mas como um paciente adulto apenas muito
pequenino. Não poderia dar certo. Os conteúdos foram assimilados, mas a
essência da pediatria não. Eu assistia à colegas pediatras natos (e aqui cito a
excelente Illanne), sabendo que aquilo não era para mim.
Não foi por
coincidência que o Pokemon GO foi lançado enquanto passava por essa
experiência. Os deuses da Niantic (empresa responsável pelo lançamento do app)
me deram a chance de voltar a ser criança. A pensar como criança, me comportar
como criança e brincar com outras crianças. Assisti a um evento raríssimo:
homens barbados e mulheres crescidas em uma escala global agindo como crianças
novamente. E eu era um deles.
Afinal, percebi,
dentro de cada um de nós, adultos, ainda resta uma criança desesperada,
enclausurada, agonizante, pedindo para ter seus 5 minutinhos de folga e pegar
uns pokémons. O que se ganha perdendo todo esse tempo atrás dos bichinhos?
Humanidade!
Essa foi a insígnia
que me faltava. Eu estava me preocupando demais em ser um bom médico, adulto,
responsável e deixando, entrementes, algo em mim morrer. Eu esqueci por um
momento que o sonho de me tornar médico foi enquanto menino, junto ao sonho de
me tornar um mestre pokémon.
A foto abaixo
(autorizada pela mãe e por ela) retrata o ponto de partida desse meu novo eu.
Nesse dia, pela primeira vez, eu atendi como criança, prescrevi como criança,
me sentei no chão e brinquei, como criança, com outra criança. De presente,
recebi esse desenho e muito mais.
E a criança em mim
virou, olhou, respirou, ressuscitou. Nada é igual. Não sei se quero seguir pela
pediatria, mas consigo agora senti-la, o que me faz um médico e uma pessoa
melhor.
Essa foi uma frase
que cunhei para o fim do internato, mas não sabia por que a tinha feito. Agora
com tempo para refletir melhor, edito-a e, tendo-a assimilado, deixo-a para
vocês:
“Eis a nuance: a porta de um médico nunca deve
estar fechada. A porta de um pediatra deve sempre estar aberta. As crianças não
batem, pedindo para entrar. Elas batem e esmurram, pedindo para sair. Obrigado
PED 1 por abrir essa porta para mim.”
Igor Guedes
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