Após um longo período, o Blogger "Pediatria em foco" retorna ao marcador "Crônicas". Desta vez, para postar um belo texto de autoria do atual e do ex Presidente Presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), Prof. Eduardo da Silva Vaz e Dioclécio Campos, recentemente publicado (13/072013) no Correio Brasiliense.
Mais médicos para curar o governo
» DIOCLÉCIO CAMPOS JÚNIOR
Médico, professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, representante da SBP no Global Pediatric Education Consortium (dicamposjr@gmail.com)
» EDUARDO DA SILVA VAZ
Médico, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria
Médico, professor emérito da UnB, ex-presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria, representante da SBP no Global Pediatric Education Consortium (dicamposjr@gmail.com)
» EDUARDO DA SILVA VAZ
Médico, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria
O governo está sem
rumo. Tenta iludir, não consegue. Recorre à propaganda promocional com dinheiro
público. Perde, porém, o prestígio que acreditava intocável. Apostou na ingenuidade
do povo brasileiro. Investiu no espetáculo, no circo, distribuiu pão. Acreditou
na magia de inúmeros coliseus erguidos para fascinar supostos rebanhos. Não
reverteu a explosão da consciência nacional. Ficou claro que a sociedade não se
deixa levar por engodos que apostam na oligofrenia de sua gente.
O chamado núcleo duro, leia-se cúpula que comanda, ignora o sentimento dos
brasileiros. Persiste no desrespeito ao cidadão. Fecha os ouvidos à voz do
povo. Desdenha clamores por direitos renegados. Com arrogância ditatorial,
simula estar falando em nome do pensamento coletivo. São estratégias de
reeleição, único objetivo que quer alcançar a qualquer custo.
As ações anunciadas insultam os valores da cidadania. Prova maior é o programa
Mais médicos. Além de basear-se em argumentos improcedentes, viola direitos
fundamentais. A interiorização de médicos é indissociável da interiorização de
condições para o exercício da medicina. Do contrário, frustram-se expectativas
de quem vive nos bolsões de miséria ou na pobreza batizada de classe média.
Mandar somente médicos, e despreparados, para rincões humilhantes que mancham a
bandeira nacional é atitude de quem está enganado ou querendo enganar.
O que o povo reivindica é “saúde padrão Fifa”. Não basta enviar jogadores e
técnicos para disputarem as partidas da Copa. É preciso construir estádios de
qualidade, setor hoteleiro digno, transporte coletivo decente, e qualificar
recursos humanos para atendimento que o público merece. Iguais requisitos devem
ser também incluídos em projetos formulados para a saúde. A população
consciente não se ilude com medidas paliativas. Exige qualidade. Requer
construção de unidades de saúde modernas, bem equipadas e de fácil acesso a
todos, como os estádios. Quer mobilidade aérea para portadores de doenças
graves a fim de que sejam tratados nos mesmos centros de que se servem os
governantes. De nada vale contratar médicos mal formados ou ainda em formação
para encenar atendimento aos carentes. Puro descaso.
A maior parte das doenças dos pobres é produzida pelas condições de pobreza em
que nascem, crescem e sofrem. Uma forma de tortura social a que são submetidos
sem cessar. A presidente da República bem o sabe. Entende de tortura. Médico
não é profissional para tratar de torturados a fim de que sigam sobrevivendo na
mesma masmorra. A ação que realmente resolve tal ignomínia é o fim da tortura.
Chega de manter brasileiros na masmorra social. Libertação humana verdadeira
não é humanização do SUS, entendida pelos gestores como “cubanização” da
medicina.
Moradia decente, água potável, rede de esgotos, higiene ambiental, segurança,
nutrição saudável, escola de alto nível são as exigências de que a “Fifa da
saúde nas ruas” não vai mais abrir mão para realizar a Copa da reeleição em
2014. Médico não faz tratamento da água, não constrói casas, não entende de
esgoto, não mata mosquito, não asfalta ruas, não higieniza ambiente. O máximo
que sabe fazer é tratar das vítimas da tortura social, o que é eticamente
discutível.
Por tudo isso, o Congresso Nacional há de exercer seu papel. Não pode ser
cúmplice de mistificação reeleitoreira, de cunho ditatorial. O governo não ouve
opiniões nem sugestões de quem entende de assistência médica qualificada. Não
respeita a autonomia das universidades. Não valoriza a residência médica,
mecanismo de capacitação profissional criado no Brasil desde a década de 1960,
representando o pouco que ainda resta de perspectiva concreta para a adequada
capacitação do desempenho médico no país. Não respeita o direito dos cidadãos
aos mesmos recursos de saúde que privilegiam os ocupantes do poder.
Medicina não é sacerdócio. É profissão, a despeito de ainda não legalmente
regulamentada no país. O governo não a aceita como carreira de Estado, modelo
de países desenvolvidos. Insiste em banalizá-la, obrigando agora o estudante a
atuar como médico no âmbito das masmorras sociais. Não é assim que se forma
profissional qualificado. Não é assim que se promove a saúde das pessoas
carentes de tudo.
O ministro da Educação diz que a medida visa humanizar a medicina. Aborda
assunto que escapa à sua competência. O ministro da Saúde afirma que há médicos
em lugar errado. Certamente fala de si mesmo. A doença que acomete o governo é
grave. Mitomania. Mais médicos não vão curá-la.
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